Observatorio do TIT: Armazém geral

Uma análise do entendimento do TIT/SP sobre autuações na aquisição de mercadorias dos estabelecimentos

Tatiane Aparecida Mora Xavier

INTRODUÇÃO

Os casos identificados na Jurisprudência do TIT envolvendo o tema Armazéns Gerais, objeto de análise deste Grupo de Pesquisa, não tratam de questões constitucionais ou legais acerca da matéria, concentrando-se em discussões sobre enquadramento nesta figura jurídica, obrigações acessórias dela decorrentes e respectivo direito ao crédito do imposto.

BREVE HISTÓRICO

O surgimento da figura dos armazéns gerais remonta um momento da economia em que a demanda crescia exponencialmente e a produção e o espaço para guarda e manuseio tornaram-se atividades distintas. Terceirizar a armazenagem e logística passou a fazer sentido à medida que grupos empresariais se especializaram no assunto, o que inclusive implicava na redução de custos com a manutenção de espaços para depósitos próprios.

A promulgação da carta régia por D. João VI, em 28.01.1808, determinando a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, intensificou as atividades portuárias. Esse fomento veio acompanhado pelo surgimento dos primeiros armazéns.

O Código Comercial de 1850 tratava em seu Capítulo V (arts. 87 a 98) dos armazéns de depósito, porém não havia autorização expressa para a emissão dos títulos representativos das mercadorias, o que limitava as operações comerciais com os bens depositados.

Somente em 1903, após um século de existência da atividade no Brasil, foi promulgado o Decreto n° 1.102/03, que ainda hoje é válido, com as alterações promovidas pela Lei Delegada n° 3, de 26.09.1962, que dispõe sobre as regras de instituição e funcionamento e fiscalização dessas empresas.,

De acordo com o artigo 1º, do Decreto n° 1.102/03[1], armazéns gerais são empresas destinadas a guarda e conservação de mercadorias, com a possibilidade de emissão de títulos especiais que as representem.

O exercício dessa atividade específica é regulado por esse mesmo Decreto que, inclusive, traz uma série de exigências e restrições àqueles que pretendem exercê-la, como prevê o § 5º, que não admite, por exemplo, o exercício dessa atividade por empresários, administradores ou fiéis de armazéns gerais que tenham sofrido condenação pelos crimes de falência culposa ou fraudulenta, estelionato, abuso de confiança, falsidade, roubo ou furto.

Outro ponto decisivo para o desenvolvimento da atividade, foi a possibilidade (prevista no artigo 15, do Decreto nº 1.102/03) para que os armazéns gerais passassem a emitir títulos representativos das mercadorias depositadas. Um deles o “conhecimento de depósito”, é o título representativo de mercadoria depositada cuja propriedade é transferida com o endosso do conhecimento. O outro, “warrant”, representa o direito de penhor das mercadorias.

Em termos práticos, o conhecimento de depósito incorpora o direito de propriedade sobre as mercadorias que representa, já o warrant, se refere ao crédito e ao valor dos bens.

III. DO REGIME TRIBUTÁRIO DO ARMAZÉM GERAL

A atividade do ARMAZÉM GERAL possui natureza de prestação de serviço de armazenamento, sujeito ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISSQN”), conforme Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003[2]. O ARMAZÉM GERAL não pratica atividade mercantil de compra e venda de mercadoria e não é tributado pelo ICMS, mas como figura como parte em operações de circulação de mercadorias, possui diversas obrigações perante às Secretarias de Fazenda Estaduais, sendo por vezes responsável pelo recolhimento do ICMS e obrigado ao cumprimento de diversas obrigações acessórias relacionadas a tal tributo.

A legislação do Estado de São Paulo[3] atribui ao ARMAZÉM GERAL a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS em três situações: (i) na saída de mercadoria depositada por contribuinte de outro Estado; (ii) na transmissão de propriedade de mercadoria depositada por contribuinte de outro Estado; e (iii) solidariamente ao contribuinte principal, no recebimento ou na saída de mercadoria sem documentação fiscal, como textualmente prevê o inciso I, do artigo 11, do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo (“RICMS/SP”, aprovado pelo Decreto (SP) nº 45.490/00).

A Lei Complementar n.º 87/96 (norma nacional de observância obrigatória pelos Estados na instituição da cobrança do ICMS)[4], e, mais propriamente o ANEXO VII, do RICMS/SP, cuidaram de definir os contornos a serem observados nas operações envolvendo armazéns gerais, trazendo diversas nuances e especificidades relacionadas à incidência do ICMS e ao cumprimento de obrigações acessórias. A seguir passamos a destacar as principais operações[5].

III. 1 Procedimentos nas operações internas em que Depositante e Armazém Geral estão situados no Estado de São Paulo (mesma Unidade da Federação)

As regras determinadas pelo Anexo VII, do RICMS/SP, estabelecem que, por ocasião das saídas das mercadorias para depósito em ARMAZÉM GERAL, localizado no mesmo Estado do estabelecimento remetente, este emitirá Nota Fiscal sem o destaque do ICMS, uma vez que a própria legislação paulista prevê a não incidência[6].

De igual modo, o retorno da mercadoria depositada para o estabelecimento depositante é amparado por Nota Fiscal, agora emitida pelo ARMAZÉM GERAL, na qual também não haverá destaque do ICMS, também nos termos da legislação.[7]

Portanto, as operações envolvendo remessa para ARMAZÉM GERAL e seu respectivo retorno, desde que armazém e depositante estejam no mesmo Estado, estão fora do campo de incidência do ICMS.

Nas operações onde o depositante pretenda vender ou transferir mercadorias para outro estabelecimento sem que essa mercadoria retorne fisicamente ao seu estabelecimento, a responsabilidade do ARMAZÉM GERAL, será a de emitir Nota Fiscal correspondente ao retorno simbólico das mercadorias “depositadas” com indicação expressa que de que a mercadoria foi remetida para o adquirente pelo depositante.

No retorno simbólico, sempre que depositante e ARMAZÉM GERAL estiverem situados dentro do Estado de São Paulo, não haverá que se falar em incidência do ICMS.

A Nota Fiscal correspondente à venda da mercadoria saída diretamente do ARMAZÉM GERAL será emitida pelo depositante com destaque do valor do ICMS normalmente devido nesta espécie de operação.

III. 2 Procedimentos nas operações em que Depositante e Armazém Geral estão situados em Unidades da Federação distintas

Caso o ARMAZÉM GERAL esteja situado em Estado diverso daquele onde estiver situado o estabelecimento depositante, a operação de remessa para armazenagem não está amparada pela não incidência do ICMS. Portanto, a remessa e o retorno estarão sujeitos à tributação do ICMS, e por consequência, débitos e créditos relacionados à operação.

Quando ocorrer a venda do bem com saída direta do Armazém Geral para terceiro adquirente, o Armazém tem a obrigação de emitir (i) Nota Fiscal de retorno simbólico do bem ao estabelecimento depositante e (ii) Nota Fiscal com referência à Nota Fiscal de venda emitida pelo depositante, para amparar a circulação das mercadorias diretamente ao destinatário/adquirente indicado pelo depositante, com o devido destaque do ICMS, incluindo a declaração: “O pagamento do ICMS é de responsabilidade do ARMAZÉM GERAL”.

Nesta operação, o Armazém Geral creditará o ICMS destacado na correspondente Nota Fiscal de entrada do bem, o qual servirá para compensar com o débito do ICMS destacado na referida Nota Fiscal de saída do bem para o adquirente.

  1. METODOLOGIA

Foram analisadas decisões proferidas no âmbito do TIT/SP no período compreendido entre 2009 e 2017 (data de publicação) selecionadas de acordo com as seguintes palavras-chaves constantes da ementa das decisões: “ARMAZÉM GERAL”, “ARMAZÉNS GERAIS” e “ARMAZÉM GERAIS/ARMAZÉNS GERAL”.

No levantamento inicial foram identificados 178 (sento e setenta e oito) Acórdãos contendo a totalidade das palavras chaves indicadas. Desse total realizamos um comparativo e identificamos a existência de duplicidades, e por essa razão excluímos 78 (setenta e oito) Acórdãos repetidos.

Efetuada a análise dos Acórdãos remanescentes, foram excluídos 33 (trinta e três) que envolviam matéria diversa do objeto do presente estudo (por exemplo, decadência, nulidade, conversão do julgamento em diligência, etc.), restando 67 (sessenta e sete) Acórdãos que adentraram à matéria e foram devidamente analisados no presente estudo.

  1. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA

V.1. Crédito indevido de ICMS (ou maior do que o permitido) em relação as operações interestaduais, em que o contribuinte teria utilizado base de cálculo em montante superior ao estabelecido na legislação tributária

Adotamos como exemplo deste tópico a discussão travada pela Câmara Superior quando do julgamento do Recurso Especial do Contribuinte nos autos do AIIM nº 3050123, em que o contribuinte foi acusado de infringir a legislação (artigos 61 e 66, ambos do RICMS/SP), pelo aproveitamento indevido de créditos de ICMS, relativamente ao recebimento de mercadorias, a título de “REMESSA PARA ARMAZÉM GERAL”, remetidas pela indústria depositante situada em outro Estado.

No bojo do procedimento fiscalizatório, foi constatado que na saída dessas mercadorias, o Armazém Geral ao emitir – com o devido destaque do ICMS – a Nota Fiscal de “Entrega por conta e ordem” do estabelecimento depositante, usou como base de cálculo o valor da Nota Fiscal de venda emitida pelo depositante, o qual era inferior aquele constante da Nota Fiscal de remessa para armazenagem (emitida pelo depositante) utilizada para o crédito pelo Armazém Geral.

Buscando comprovar a infração praticada, a Fiscalização anexou ao Auto de Infração, planilha demonstrativa das Notas Fiscais correspondentes às saídas mensais com a base de cálculo inferior à de entrada (apurando diferenças de imposto), cópia de Notas Fiscais e ainda impressos das GIAs[8] do período com a utilização do saldo credor (de forma a demonstrar o momento em que se tornou devedor).

Objetivamente o contribuinte alegou, que: (i) consoante reiteradas manifestações da Consultoria Tributária, não há na legislação tributária relativa ao ICMS, qualquer norma que determine que o montante de crédito seja igual ao débito, quando o valor da operação subsequente é inferior ao da operação antecedente; (ii) deve prevalecer sempre o valor da operação corretamente definido pela legislação do Estado onde ocorrer o fato gerador da operação; (iii) os créditos de ICMS somente poderiam ser limitados pelas hipóteses constitucionais da não incidência e da isenção; (iv) a venda com prejuízo faz parte das regras da atividade mercantil e, por fim, que (v) o fisco deveria apurar os valores das operações a partir de levantamento dos custos dos estoques escriturados.

A decisão recorrida, proferida pela C. Oitava Câmara Temporária, acatou a procedência da acusação fiscal, basicamente sob o fundamento de que “a base de cálculo do imposto é o preço FOB do estabelecimento industrial à vista”, tal como estabelece o artigo 15, inciso II, da Lei Complementar (LC) nº 87/96[9].

O julgador entendeu que as provas produzidas pela Fiscalização evidenciavam que o Armazém Geral se utilizou indevidamente de crédito de ICMS decorrente da entrada dessas mercadorias em seu estabelecimento, uma vez que, tinha pleno conhecimento de que a base de cálculo das mercadorias entradas era maior do que a das saídas (que inclusive foi usada para recolher o ICMS devido ao Estado de São Paulo em virtude da venda realizada pelo depositante situado fora do Estado de SP).

Posteriormente, o Recurso Especial contra a referida decisão teve seu conhecimento admitido, uma vez que foi constatada a divergência de entendimento sobre o tema entre as Câmaras Julgadoras, tendo, no mérito, prevalecido, por maioria, o voto do Relator no sentido de manter integralmente a exigência fiscal decorrente do creditamento tido por indevido.

A posição vencida se sustentava na premissa de que não cabe ao Armazém Geral determinar se os valores informados pelo depositante estão corretos, cabe ele apenas seguir o quanto determina a legislação, e o estorno não estava dentre tais obrigações.

Já a posição vencedora entendeu não ser válida a alegação de que não há disposição expressa para obrigar o Armazém Geral a estornar o crédito, já que em que pese este seja mero responsável pelo recolhimento, está sujeito às regras gerais do ICMS, que não sustentam a manutenção do creditamento na situação em que a base de cálculo da operação subsequente seja inferior à que deu origem ao crédito.

Prevaleceu o entendimento pela neutralidade dos débitos e créditos da operação, razão pela qual o credito da entrada deve ser reduzido proporcionalmente ao débito da saída.

V.2. Credito indevido – Retorno de mercadorias de Armazém Geral não comprovado

Para análise deste subtema, toma-se como exemplo o julgamento ocorrido pela 2ª Instância administrativa, nos autos do AIIM nº 3095149, em que o estabelecimento depositante (situado em São Paulo) apropriou crédito no retorno (simbólico) supostamente promovido pelo ARMAZÉM GERAL (situado em outro Estado).

O depositante foi acusado de infração da legislação (artigos 59, 61 e 203, do RICMS/SP), por simular o recebimento de mercadorias e ainda por apropriação indevida de crédito ICMS em operação de retorno simbólico promovido por Armazém Geral, já que em tal situação – nos termos da legislação – não há destaque do ICMS.

Buscando comprovar a infração praticada, a Fiscalização anexou ao Auto de Infração, cópia das Notas Fiscais que fundamentaram o seu lançamento, informações disponibilizadas pela Secretaria de Fazenda do Estado do Armazém Geral (no sentido de que o estabelecimento se encontrava impedido em seu cadastro) e ainda evidências de falta de comprovação do efetivo retorno das mercadorias supostamente depositadas em outro Estado (ou seja, no Armazém Geral).

O autuado alegou em sua defesa ter comprovado a regularidade das operações com o Armazém Geral, apresentando algumas Notas Fiscais onde consta como natureza da operação “Retorno de Armazém Geral” e ainda documentos que atestariam o transporte dos bens até o seu estabelecimento. Além disso, também sustentou que eventual equívoco não teria implicado prejuízo ao erário paulista, uma vez que também realizou o destaque do ICMS na Nota Fiscal de venda, quando não deveria, já que nesta situação é o Armazém Geral que recolhe em seu Estado.

No que diz respeito à acusação de crédito indevido (item I do AIIM) por falta de comprovação de entrada das mercadorias citadas na operação no estabelecimento do depositante, a conclusão do julgamento foi no sentido de que os documentos apresentados não atestariam a efetiva ocorrência da operação realizada entre o depositante autuado, localizado em território paulista e o Armazém Geral localizado em outro Estado, aliás, Estado em que se localiza o estabelecimento sede do depositante.

Para que pudesse demonstrar a efetividade de tais operações, notadamente quando há indícios de que houve algum tipo de simulação das operações, em seu voto o Juiz Relator pondera e orienta quanto a necessidade da comprovação de elementos como, a apresentação de contrato de armazenamento, comprovante de pagamento do armazenamento, além de provas relativas ao transporte ou carimbos de fronteira e conhecimentos de transportes (CTRCs).

No que diz respeito à infração por crédito indevido decorrente da utilização de documentos com destaque indevido do imposto (item II), é dizer, de Notas Fiscais, emitidas pelo Armazém Geral (“Retorno simbólico de mercadoria remetida para armazém geral“), embora o depositante autuado tenha alegado que tal procedimento não teria causado prejuízo ao fisco paulista, uma vez que, se tratou de erro formal, tendo sido o tributo indevidamente pago para São Paulo na venda do bem, os julgadores entenderam que não se trata disto, mas sim do cumprimento das respectivas regras.

A mera confissão por parte do contribuinte e a consequente alegação de que o procedimento levado a efeito (aproveitamento de crédito dessas operações), não teria implicado prejuízo ao fisco paulista, tratando-se, apenas de erro formal, não tem sido acolhido pelo TIT/SP. Nesses casos, tem prevalecido, portanto, além da força impositiva da ausência de previsão de direito ao crédito, nos retornos simbólicos de Armazém Geral, a exigência da adoção dos procedimentos adequados para recuperação dos valores indevidamente recolhidos ao Estado.

O julgamento unânime pela C. 2ª Câmara Julgadora[10] fundamentou-se na ausência de provas para suportar as alegações do contribuinte autuado, notadamente diante da possível ocorrência de simulação de operações, inexistência de previsão legal para o destaque do ICMS nas Notas Fiscais de RETORNO SIMBÓLICO, bem como, erro no procedimento do pretenso “acerto de contas”, visto que, se houve pagamento indevido ao Estado de São Paulo, a apropriação indevida de créditos não era a forma adequada para regularização.

IV.3. Ausência de pagamento de ICMS (em operações internas), em vista da ausência de comprovação de que o destinatário se tratava de um Armazém Geral

Para análise deste subtema, toma-se como exemplo o julgamento do Auto de Infração 3127575, em que o contribuinte foi acusado de não atender aos requisitos exigidos às empresas constituídas como Armazém Geral.

Natureza de discussão bastante comum, uma vez que não é qualquer operação envolvendo a remessa (e o retorno) para armazenagem – segundo a legislação paulista – que estão albergadas pela não incidência do ICMS, mas somente àquelas realizadas por empresas constituídas, e que notadamente atendam aos requisitos próprios, para estabelecer-se como um Armazém Geral.

O voto da Juíza Relatora foi pela necessidade do estabelecimento estar regularmente inscrito e possuir os requisitos exigidos pela lei para esta atividade, enquanto o voto vista ressalvou que a questão não pode ficar adstrita a formalismos exagerados, mas sim a prova da efetiva realização da atividade de armazenagem. Observe-se:

“Ocorre que a dinâmica dos negócios empresariais foi sensivelmente alterada ao longo dos anos e, entre tais alterações, está o advento da logística tal e qual a conhecimentos hodiemamente. Por meio deste contrato, determinada empresa transportadora se responsabiliza não só pelo transporte de mercadorias daquele que a contratou, mas também na guarda e gerenciamento em função de diversas razões (por exemplo (i) incapacidade física do tomador deste serviço em ter as mercadorias em seu estoque, (ii) inviabilidade econômica de retomo físico da mercadoria ao depositante dado o contexto geográfico de suas operações, etc).

Nesse contexto, o depósito (ou armazenagem) das mercadorias junto às empresas de logística não tem o propósito disciplinado pelo antigo Decreto n° 1.102/1903 – emissão de títulos de crédito, vendas públicas ou qualquer outra forma que venha a dar ensejo a circulação de mercadorias. O intuito dos contratos desta natureza é o de viabilizar a guarda e a gerenciar do transporte das mercadorias do tomador dos serviços e, assim, otimizar o seu negócio empresarial.

E, se assim o é, então há de ser concluído que, à prestação dos serviços de logística por empresas transportadoras, não é essencial que haja o respectivo registro na Junta Comercial. Aqui, friso que reconheço que não há tal exceção no Decreto n° 1.l 02/1903, entretanto, este aspecto formal há de ser relevado ao menos aos fins fiscais, mesmo porque, a falta do respectivo registro na Junta Comercial não obstaculiza, em absolutamente nada, a fiscalização, pela Administração Tributária, do cumprimento dos deveres instrumentais e eventual descumprimento de obrigações principais (a exemplo das hipóteses em que o armazém geral assume a condição de substituto tributário).

Para que este entendimento possa se sustentar, evidentemente que os elementos factuais apresentados devem dar conta de que o negócio jurídico firmado é mesmo o de logística, nos termos definidos alhures, em especial o contrato firmado entre as partes no qual conste que, entre as obrigações contratuais da transportadora está a guarda, gerenciamento e logística.

Penso que o contrato é especialmente importante à prova aqui aventada porque, sendo o direito tributário um direito de superposição (artigos 109 e 110 do ClN) e, por outro lado, sendo o contrato verdadeira fonte de obrigações jurídicas no âmbito do direito civil, então é ele (o contrato) que deve servir de realidade jurídica à incidência tributária. Pois bem.

Do contexto probatório apresentado, verifico que a Recorrente não juntou o contrato firmado entre ela e a (…), nem na impugnação, tampouco em Recurso Ordinário. Por essa razão, não é autorizada a aplicação do raciocínio supra.

Não é só. Verifico também que, apesar de juntar uma cópia da alteração de seu contrato social supostamente realizada em 2003 (fls. 457-462), fato é que a própria JUCESP informa que, até 11/05/2009, não havia matricula da Recorrente como armazém geral. Não fosse o bastante, a Ficha de Breve Relato extraída da JUCESP informa que a inclusão, no objeto social, da atividade de armazém geral só veio a ocorrer efetivamente em 14/1012009 (vide fls. 316 e 322).

Assim sendo, apesar de crer na tese apresentada pela Recorrente, não me é lícito acolhê-la pelo simples fato de não haver elementos factuais suficientes a fazê-lo.”

(Grifo nosso)

A autuação foi mantida porque o Contribuinte emissor das notas fiscais de retorno de bem e/ou mercadorias recebidas para armazenagem não possuía registro de ARMAZÉM GERAL perante a JUCESP e o CADESP, conforme vota da relatora, mas o voto de vista entendeu pela manutenção da autuação em razão da ausência de provas da efetiva realização da atividade de armazenagem.

IV.4. Cobrança do ICMS-ST de contribuinte paulista pela exclusiva circunstância de adquirir mercadorias de armazém geral paulista por conta e ordem de vendedor situado fora do Estado;

Adotamos como exemplo a discussão travado no Auto de Infração 4001207, lavrado contra o Armazém Geral porque a fiscalização considerou que: (i) o vendedor das mercadorias encontrava-se situado fora do Estado de São Paulo e (ii) as mercadorias vendidas e “depositadas” estavam sujeitas ao artigo 426-A, do RICMS/SP. A fiscalização desprezou o fato das mercadorias já se encontrarem no Estado de São Paulo, depositadas em Armazém Geral.

Na época dos fatos, não havia previsão expressa na legislação paulista quanto ao recolhimento do ICMS por substituição tributária, quando os bens – remetidos por depositante localizado em outra Unidade da Federação – fossem recebidos por Armazém Geral.

De acordo com o art. 426-A do RICMS/SP, o contribuinte paulista que conste como destinatário no documento fiscal deverá efetuar antecipadamente o recolhimento do ICMS devido nas operações subsequentes às de entrada, na condição de sujeito passivo por substituição, quando o remetente das mercadorias situado em outra unidade da federação não o fizer.

O julgamento concluiu que “não há base legal para a exigência realizada com a lavratura do Auto de Infração”. Vale aqui destacar trechos do voto vencedor. Confira-se:

VOTO DE VISTA

Ementa:

ICMS – ART. 426-A DO RICMS/2000 – ENTRADA DE MERCADORIAS ORIUNDAS DE OUTRO ESTADO – FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS PRÓPRIO E DO ICMS-ST.

Não existe – nem nunca existiu – previsão legal para a cobrança do ICMS-ST de contribuinte paulista pela exclusiva circunstância de adquirir mercadorias de armazém geral paulista por conta e ordem de vendedor situado fora do Estado.

Recurso conhecido e parcialmente provido.

(…)

Ora, no caso presente, resta assentado que as mercadorias adquiridas pela Recorrente não lhe foram diretamente remetidas de outro Estado, mas lhe foram remetidas por armazém geral localizado neste Estado, ainda que por ordem de contribuinte localizado em outro Estado. Assim, a Recorrente não foi o contribuinte que deu “entrada da mercadoria no território deste Estado”. Não é ela, pois, o sujeito passivo do imposto previsto no art. 426-A do RICMS/2000.

É verdade que desde junho/2009, os arts. 313-A, 313-C, 313-E, 313-G, 313-K, 313-Q, 313-S, 313-W, 313-Z11, 313-Z13, 313- Z15 e 313-Z17 do RICMS/2000, passaram a prever, em seu § 2º, item 4, que “quando o estabelecimento que receber a mercadoria for armazém geral e o depositante estiver localizado em outra unidade da Federação, o armazém geral deverá calcular e pagar o imposto incidente na operação própria e nas subsequentes de acordo com as normas relativas ao regime jurídico da substituição tributária previstas neste regulamento, no período de apuração em que ocorrer a saída da mercadoria com destino a outro estabelecimento localizado em território paulista”.

Antes do advento dessa modificação, contudo, havia uma lacuna legal que não torna por si só admissível a cobrança do ICMS-ST do subsequente destinatário paulista, sem qualquer previsão normativa.

Assim, concluo ser indevida a cobrança do imposto promovida nos itens 1 e 2 do AIIM, já que sem fundamento jurídico. Com isso, indevidas também as penalidades cominadas nesses itens, razão pela qual afasto integralmente os itens 1 e 2 do AIIM.

IV.5. Multa Regulamentar – Diferença apurada por meio de levantamento fiscal entre remessa e retorno de mercadorias não sujeitas ao pagamento do ICMS depositadas em armazém geral.

Selecionamos o AIIM nº 3154480 como representativo da discussão sobre o tema da multa regulamentar, envolvendo diferença apurada por meio de levantamento fiscal entre as remessas e os retornos de mercadorias não sujeitas ao pagamento do ICMS depositadas em ARMAZÉM GERAL. O Controle de estoques envolvendo mercadorias depositadas em ARMAZÉM GERAL é tema bastante recorrente no TIT/SP. A autuação foi cancelada em primeira instância. O julgamento do recurso de ofício reestabeleceu a exigência, sob fundamento de que a decisão de primeira instância apresentou falhas, uma vez que deixou de analisar o cerne da controvérsia, que notadamente envolve a diferença de estoques, limitando-se a analisar matérias conexas. Confira-se trecho para melhor compreensão:

“Em que pesem as argumentações expendidas pela D. UJ de Araraquara a acusação é procedente. Isto porque independentemente da empresa (…) do mesmo grupo econômico da Recte. não estar revestida na condição de Armazéns Gerais, não descaracteriza a infração cometida. Ademais, informalmente a (…), de fato, prestou à Recte serviços de armazenagem. A acusação e as provas dos autos devem nortear o julgador em sua r. decisão, nos estritos limites do pedido. Mesmo porque, a própria Recte admite erros em sua escrita fiscal tanto que admite erros de lançamento que denomina de “equívocos”, que no máximo seriam no importe de (…) contra os (…) apurado pelo Fisco, conforme demonstrativo de fI. 396 elaborada pela Recda.”

No caso analisado a própria empresa autuada não logrou êxito em comprovar não ter agido com intuito de omitir receitas com as remessas realizadas. Usualmente, para evitar essa exação, na situação em que há diferenças apuradas de estoque, os Contribuintes envolvidos devem implantar controles de estoques rotativos visando evitar autuações fiscais.

  1. CONCLUSÃO

Das análises realizadas, destacamos algumas conclusões gerais: (i) as regras especiais se aplicam exclusivamente às empresas que estejam juridicamente constituídas como Armazém Geral com a comprovação de registro perante a Junta Comercial nos termos do Decreto nº 1.102/1903, (ii) grande parte das autuações decorrem da inobservância de obrigações acessórias por parte dos depositantes ou Armazém Geral; e (iii) as interpretações conferidas aos casos concretos são restritivas, não havendo flexibilização da regra, nem mesmo quando o erro cometido pelo contribuinte não tenha implicado prejuízo efetivo ao Estado.


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