Exclusão do ICMS da Base da Contribuição ao PIS e da COFINS – Solução de Consulta Interna COSIT nº 13/2018 – Breve Análise

Exclusão do ICMS da Base da Contribuição ao PIS e da COFINS – Solução de Consulta Interna COSIT nº 13/2018 – Breve Análise

Adma Felícia B. Murro Nogueira

Ao publicar a Solução de Consulta COSIT nº 13/2018, a Receita Federal evidencia o que talvez já nos fosse óbvio: seu objetivo é obstar, ao máximo, o exercício do direito garantido pelo Supremo Tribunal Federal aos contribuintes. De acordo com esta Solução de Consulta, a Receita Federal entende que “o montante a ser excluído da(s) base(s) de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins é o valor mensal do ICMS a recolher, conforme o entendimento majoritário firmado no julgamento do Recurso Extraordinário 574.706/PR pelo Supremo Tribunal Federal.”

Por meio do entendimento firmado pelo Plenário do STF por ocasião do RE nº 574.706/PR, com repercussão geral reconhecida, foi fixada a tese que “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”.
Por maioria de votos, os ministros concluíram que o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e, por isso, não pode integrar a base de cálculo do PIS e da COFINS.

Afirma a Solução de Consulta COSIT, que o entendimento majoritário firmado pelo STF teria sido no sentido de que o valor a ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS seria o “valor mensal do ICMS a recolher”.
Ocorre, contudo, que a leitura atenta dos votos proferidos não autoriza tal conclusão.

A começar pela Ministra Relatora Carmem Lúcia que, a certa altura, afirma que: “Poder-se-ia aceitar que a análise jurídica e a contábil do ICMS, ambas pautadas na característica da não cumulatividade deste tributo, revelariam que, assim como não é possível incluir o ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, também não seria possível excluí-lo totalmente, pois enquanto parte do ICMS é entregue diretamente ao Estado, parte dele se mantem no patrimônio do contribuinte até a realização da nova operação.”
No entanto, com objetivo exatamente de rechaçar essa possibilidade (cujo tempo verbal, por si só, já indica se tratar de hipótese condicionada), prossegue: “Entretanto, a análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há que levar em consideração o conteúdo normativo do art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, ou seja, examina-se a não cumulatividade a cada operação: (…).” Por meio de citação do Roque Antonio Carrazza – cujo trecho foi omitido na Solução COSIT – a Sra. Ministra assim trata a não-cumulatividade do ICMS:

“Não passa, pois, de uma técnica de tributação, peculiar ao ICMS (que, em absoluto, não interfere em sua base de cálculo), a apuração do saldo devedor (ou credor) – por meio da diferença entre o imposto relativo às saídas e o correspondente às entradas de mercadorias, bens ou serviços –, que apenas assegura ao contribuinte a fruição do direito constitucional de abater, do quantum do imposto a seu cargo, o ‘montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal’ (art. 155, § 2º, I, da CF).”
(…) “Registramos que o pagamento do ICMS é habitualmente feito parte em créditos (quando estes equivalem ou excedem os débitos nascidos no mesmo período de apuração) ou só em moeda (quando não há créditos de ICMS provenientes de operações ou prestações anteriores)” Bastaria, portanto, a leitura destes trechos para se observar que o entendimento exarado foi no sentido de que a não-cumulatividade não altera o ICMS devido – a ser excluído das bases das contribuições – tratando-se, apenas, de técnica de tributação que possibilita que este tributo seja pago por meio de créditos (relativos à parcela do imposto já cobrada do contribuinte em etapas anteriores), ou de moeda.

Ainda assim, com objetivo de esclarecer seu entendimento a Ministra conclui: “Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS.”

Poderiam ser aqui mencionados outros trechos dos votos dos demais Ministros, não considerados ou suprimidos pela Solução COSIT.
No entanto, vale pontuar ao menos um deles. O da Ministra Rosa Weber, ao dizer que “eu estou invocando o filtro constitucional para fazer a leitura da legislação infraconstitucional, inclusive no que diz respeito a esses tributos cobrados por fora e que levam a essa situação, em termos de direito infraconstitucional posto, essa distinção entre ICMS e IPI, dois impostos indiretos que estão levando a um equacionamento diferente, que eu entendo que não pode prevalecer, à luz do texto constitucional, (…).
Ora, não há dúvidas de que o IPI excluído da base de cálculo das contribuições, conforme autorizado pela própria Receita Federal (vide art. 24, III, da IN nº 247/02) é o IPI integralmente devido em cada operação; aquele destacado no documento fiscal, ainda que, por ocasião da apuração do montante a recolher, sejam abatidos créditos, tal qual o ICMS.

Aqui, pois, reside outro ponto relevante. A Solução COSIT apega-se ao contido no art. 13 da Lei Complementar nº 87/96 (que estabelece que o montante do ICMS integra a sua própria base de cálculo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle), para afirmar que isso demonstra que o destaque na nota fiscal não indica o ICMS a recolher mensalmente e, portanto, a ser excluído.
Não há como se equiparar imposto devido (base de cálculo x alíquota), com o imposto recolhido. O ICMS incide sobre a operação, logo, o ICMS devido é aquele resultante da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo extraída desta operação.
A parcela de um tributo a ser efetivamente recolhida decorre de outros fatores que não necessariamente tem relação com o imposto incidente sobre as operações.

Dois exemplos para tornar mais clara esta afirmação: Se uma empresa realiza exportações e, por conta da legislação do ICMS, mantém o crédito relativo às aquisições das mercadorias exportadas (frise-se, o crédito corresponde ao imposto já cobrado na etapa anterior e “pago” ao Fisco), caso esta empresa também realize operações internas, tributando-as pelo ICMS, pelo entendimento da Receita Federal, ela NÃO poderá excluir quaisquer valores da base do PIS e da COFINS caso utilize os créditos da exportação para compensar com os débitos de ICMS gerador nestas operações internas e esta compensação seja integral. Mas o ICMS não incidiu sobre as operações internas? Ele não é devido?

Aqui vale lembrar as lições de Roque Carrazza, citadas por Carmem Lúcia: ICMS pode ser pago com crédito ou em moeda!
Outro exemplo: se uma empresa possui valores a restituir, a título de ICMS devido por Substituição Tributária e, por conta do disposto na legislação estadual, ao invés destes valores lhe serem restituídos em espécie, são lançados como crédito em sua apuração fiscal, e estes créditos são compensados com os débitos de ICMS apurados no período, essa empresa também não poderá excluir quaisquer valores da base de cálculo das contribuições. Mas, novamente: o ICMS não incidiu sobre as operações? Não houve ICMS devido?

Ainda que se admita que o entendimento da Receita Federal objetivava a exclusão apenas da diferença a maior de ICMS agregada em cada etapa da cadeia de comercialização, mesmo nesta hipótese não é possível concordar com tal possibilidade. Se não admitida a exclusão da integralidade do ICMS devido em cada operação, não se estará efetivamente excluindo este imposto da base de cálculo do PIS e da COFINS, mas apenas postergando sua tributação para a etapa seguinte. É dizer, a parcela que se exclui hoje, será necessariamente tributada na etapa seguinte, já que nela apenas poderá ser excluída a diferença positiva eventualmente apurada.
Há, ainda, outras fragilidades.

De acordo com a Receita Federal, considerando que na determinação da Contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS a pessoa jurídica apura e escritura de forma segregada cada base de cálculo mensal, conforme o Código de Situação Tributária (CST) previsto na legislação das contribuições, faz-se necessário que seja segregado o montante mensal do ICMS a recolher, para fins de se identificar a parcela do ICMS a se excluir em cada uma das bases de cálculo mensal da contribuição.
Prosseguindo, determina que: A referida segregação do ICMS mensal a recolher, para fins de exclusão do valor proporcional do ICMS, em cada uma das bases de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, será determinada com base na relação percentual existente entre a receita bruta referente a cada um dos tratamentos tributários (CST) das contribuições e a receita bruta total, auferidas em cada mês.

Em outras palavras: se determinado contribuinte possui receitas tributadas pelas alíquotas ordinárias, mas, também, tem receitas tributadas a alíquota zero, por exemplo, deverá apurar a proporção de cada uma destas receitas sobre a receita total e aplicar este percentual sobre o valor do ICMS a Recolher, com vistas a identificar o montante a ser excluído. Apenas o percentual relativo às receitas tributadas poderá ser excluído da receita total.

Certamente que este “critério” também traz consigo uma série de distorções.
Tecnicamente, exclusão do ICMS da base das contribuições deve ter em conta, de um lado, o montante do imposto incidente sobre a operação geradora da receita e, de outro, a tributação das contribuições incidentes sobre aquela receita. Qualquer fórmula que se afaste deste raciocínio possibilita exclusões aquém ou além do ICMS devido.

Por fim, também a forma de obtenção do ICMS a recolher indicada pela Receita Federal gera dúvidas. Em sua manifestação a COSIT determina que para fins de proceder ao levantamento dos valores de ICMS a recolher, apurados e escrituradas pela pessoa jurídica, devem-se preferencialmente (grifamos) considerar os valores escriturados por esta, na escrituração fiscal digital do ICMS e do IPI (EFD-ICMS/IPI), transmitida mensalmente por cada uma dos seus estabelecimentos, sujeitos à apuração do referido imposto.

Como serão, então, tratados os valores recolhidos a título de ICMS-Importação, ICMS devido por Substituição Tributária, ou ICMS-Antecipado, recolhidos pelos contribuintes por ocasião das entradas das mercadorias nos seus respectivos estabelecimentos? Tais valores não compõem o ICMS a recolher apurado por meio da escrituração fiscal, mas são efetivamente recolhidos pelos contribuintes. Eles poderão ser considerados para fins de exclusão, mesmo que ainda não tenham gerado receita respectiva?
Indo além: como será tratado o fato de que há contribuintes que possuem Regimes Especiais que possibilitam que estas parcelas sejam lançadas na escrituração fiscal, sendo recolhido junto com os demais débitos da apuração? Quais contribuintes poderão excluir tais parcelas da base: aqueles que recolhem antecipadamente, ou aqueles que lançam na apuração e recolhem junto ao saldo devedor apurado no período?

Todas estas questões, em nosso entendimento, demonstram a fragilidade do posicionamento proferido pela Receita Federal e nos levam à conclusão, adiantada no início deste artigo, de que, como se previa, tal manifestação teve por objetivo apenas obstar e postergar o exercício do direito garantido pelo STF.

Uma vez que as Soluções COSIT têm efeito vinculante no âmbito da RFB, as Autoridades Fiscais estão obrigadas a aplicar tal entendimento por ocasião da análise dos pedidos de restituição, habilitações de crédito e fiscalizações.
Diante disso, aos contribuintes resta discutir administrativa e judicialmente tal entendimento, ainda que por meio de ações preventivas, com vistas a afastar o contido na referida Solução e garantir a exclusão integral do ICMS da base de cálculo das contribuições por eles devida.

A não ser que, por ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração opostos pela Fazenda, nos autos do RE nº 574.706 – no qual pretende que a exclusão seja limitada ao que denomina ICMS-líquido – o STF esclareça definitivamente esta questão, e com maior brevidade, será iniciado um novo contencioso tributário, o que traz mais insegurança jurídica para nosso país e, por conseguinte, para contribuintes e investidores.


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